É tarde

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Ashes, Edvard Munch

Sei que prometi não publicar mais poemas aqui mas, que coisa!, eu sou eu e minhas contradições – como já disse algo parecido alguém por aí.

Tarde demais esse amor sem dedos. Ana Cristina César

Tarde demais esse amor sem braços.
Tarde demais esse beijo maternal.
Tarde demais a foda do século.
Tarde demais esses prêmios e o reconhecimento.
Tarde demais o arrependimento remorso.
Tarde demais a visita tarda.
Tarde demais a chuva sobre o rescaldo.
Tarde demais suas lágrimas me acordaram.
Tarde demais um amor de juventude.
Tarde demais um amor no futuro.
Tarde demais meu nome num livro.
Tarde demais para escolher.
Tarde demais para reler.
Tarde demais para viver.
Tarde demais até para morrer.
Tarde demais, é sempre tarde demais
Dizem as placas pro seu destino
Repetindo isto como um corvo ou urubu.
Mas antes que seja tarde
Olhe para trás:
Talvez você não esteja só
Só tenha chegado cedo demais.

Ser lembrado e amado

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Portrait of Emilio Terry, Salvador Dali

Escrever nunca foi um problema. Talvez apenas o ritmo frenético das ideias, às vezes, incompatível com o titubeante toque dos dedos nas teclas. Ou as ideias dispersas que não se juntam (espalhadas que vieram ao longo das horas do dia), gado manso, naquela determinada hora que tento recolhê-las no curral do texto. Poesia é outra coisa. Estou acostumado. Poesia é pássaro que a gente cria solto. E é ele que chega e vai a hora que quer. Não depende de nós – apesar da mutualidade tácita. Ninguém senta para escrever um poema com hora marcada. A disciplina é estar com tempo para ela na hora surpresa que ela chegar.

***

Não tenho o hábito. Hábito que ao mesmo tempo automatiza o ato de escrever e dá vazão a ideias paradas. O hábito necessário de sentar e escrever todos os dias num local e hora determinados, por um período idem. Neste momento não tenho sequer uma mesa – mas aí penso em Balzac e em todos aqueles que escreviam, apesar das condições adversas. E ainda nem mencionei o ‘por que escrever, e para quem’. No meu caso, o que admiro na obra dos outros – além da invenção, claro – é a materialização de pensamentos lógicos e ilógicos. Aqueles pensamentos e ideias sobre os mais variados temas que enchem nossa cabeça. Porque escrever também é uma forma de pensar, e nem tudo que você escreve você pensou antes. E nem vou mencionar aquele texto que você imaginou e, na hora de escrever, saiu outro. Que pode ser melhor ou pior que o pré-escrito. Então, eu escrevo para fixar e materializar meus pensamentos, dirigindo-os ao futuro. Não tem pretensão. Todo mundo quer ser amado e lembrado.

Porque está chovendo

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Boulevard de la Madeleine, Edouard Cortès

A julgar pelo nome deste blog e a frequência das postagens, chega-se facilmente à conclusão que tenho lido mais que amado – o que não deixa de ser verdade. Mas a principal razão dessa infrequência é que percebi que tenho publicado quase só poesia aqui, e quando criei este blog foi para exercitar a prosa; porque sou um poeta prenhe de prosa. Tenho outros blogs onde já publiquei poemas, mas este aqui não é pra isso. O que pega também é que é realmente um exercício, pois sou naturalmente da poesia. Então não vou negar que a prosa, apesar de me atrair muitíssimo, ainda me é espinhosa. No sentido de não ser habitual. Daí a necessidade do exercício e da consequente disciplina para escrever. Porque poesia você não senta para escrever com hora marcada. A poesia é que pára o que você estiver fazendo. Isso até acontece para reescrever, dar forma final ou descartar mesmo – mas, prosa, penso que esse é o primeiro e contínuo movimento.
O outro motivo que me traz de volta aqui é um artigo de 2007 que li agora, do Júlio Daio Borges, no Suplemento, com o título: “Publicar em papel? Pra quê?” no qual ele aponta que quem escreve em blog não necessariamente tem que chegar ao livro, que o público-alvo do blogueiro é atingido mais certeiramente na Internet que nas livrarias. ‘Blogueiros-escritores’, bem entendido. Então, às voltas com um livro que foi concebido para o papel e que já está na posição de nascer – me dei conta de que tenho um blog (mas quem não tem!) e preciso me mostrar, em dois sentidos: divulgar o que escrevo e divulgar meu nome. Porque acredito na auto-publicação em detrimento de leis de incentivo e ‘dificuldades de publicar por alguma editora’.
E o terceiro motivo: é porque está chovendo. E escrevi isto para alguém, que vocês lerão no lugar dela:
Você era meu sonho de consumo. Inalcançável. Estava sempre lendo. Reparei que era a mesma autora, invariavelmente. Impliquei com isso, mas eu também, na rua, me veem lendo ou quadrinhos, ou jornal. Que é o que minha concentração débil aguenta em meio à agitação. Jamais me verão lendo Clarice Lispector num banco de rodoviária. Loura. Quase ruiva. Alta. Inteligente. Como sei disso sem nunca ter lhe falado? Pelo olhar. Olhar perscrutador. Superior, até. Mas seus olhos sorriam sempre. Não um sorriso de ‘pode se aproximar’ ou de ‘você não tem chance’. Era mais ‘eu sei que você sabe apreciar a beleza e eu sei que sou bela e concedo que você me aprecie’. Claro, o sentimento era mais sucinto; para descrever é que gastam-se muitas palavras. Nossos olhares se cruzaram várias vezes, e eles nunca caíram em terra infértil. Quero dizer: você no papel de musa, eu no papel de poeta, porém sem ultrapassar esse limite. Eu sabia o seu nome e o seu sobrenome – estudamos na mesma escola. Paixão de corredor. Sei que você espera um final feliz pra esta história, e eu também espero. Sendo que eu nem posso dizer o nome dos personagens, nossos nomes. Por ora, o que posso dizer é que finalmente a vejo de uma distância menos segura. E você também. Ultrapassamos o limite. Daqui estamos por nossa conta. O que vai acontecer – ou não vai – está nas nossas mãos. Eu larguei o lápis e a paleta. Você despiu o olhar. Se nos vissem agora pensariam sermos velhos amantes. Que estão a ponto de se (re)encontrar. Mas o que eles não sabem, e nem nós ainda, é que o amor

Medo das formigas

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The lovers, René Magritte 1928

Medo de amar demais
Ou de não amar ninguém.
Medo de cair
E de amar o lugar em que caí.
Medo de ficar no vácuo
Ou do meu olhar ser correspondido.
Medo de falar algo errado
Ou de ficar só calado.
Medo de terminar primeiro
E de ela sair pra se satisfazer.
Medo do pai dela já me conhecer.
Medo de uma irmã dela ser mais bonita.
Medo de dizer o seu nome a algum amigo
Medo dele tê-la conhecido antes de mim.
Medo de, um dia, depois de tudo, nos separarmos.
Medo de ligar agora, a essa hora.
Medo do não, medo do sim.
Medo do primeiro beijo, e do adeus.
Medo de começar
O que não vou conseguir terminar.
Medo dessa história de amor
Que começaria pelo fim.
Medo das estrelas
Medo das formigas.

 

Por que leio poesia

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Great bather reading, Pablo Picasso (1937)

Leio poesia como quem bebe champanhe.
Como quem está em lua de mel.
Como quem acabou de chegar neste mundo
Ou em outro mundo novo qualquer.
Leio poesia como quem se apaixona
Pela primeira vez
Ou como quem se apaixona pela última vez.
Leio poesia como alguém livre
Do passado e do futuro.
Leio poesia como se todo poema
Tivesse sido escrito só pra mim.
Leio poesia como se fosse a única coisa que sei fazer.
Leio poesia como alguém sorri para uma criança séria.
Leio poesia para que o sol nasça
As tardes cresçam em paz
E as noites me abracem forte
Me dando esperança que o sol renasça.
Leio poesia para a minha mãe e o meu filho
Porque eles leram pra mim quando era criança e agora velho.
Leio poesia com a emoção de quando aprendi a ler.
Leio poesia como se disso dependesse a vida das fadas.
E a vida de Shakespeare, de Dante
E de todos os poetas passados e vindouros
E a minha própria.

 

Convivendo na solidão

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The Bridge at Grez sur Loing, Corot Camille

Não há ninguém, e há todos
                                         Murilo Mendes

 

Sinto-me sozinho
Com medo da morte
Mais ainda dos cabelos brancos.

Sento-me numa ponte qualquer
Numa cidade qualquer
E o que eu espero?

Eu espero a morte de todos
Pra me sentir mais sozinho
Ou mais reconfortado.

 

Adeus

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Quiet pond in the park of appeal – Gustav Klimt

Adeus mundo cruel, polarizado!
Adeus Ana Rosa adeus Maria adeus Alice!
Adeus mãe adeus pai adeus vô!
Adeus Sam e Dean não me tragam de volta!
Adeus tardes felizes ouvindo rádio!
Adeus filho o dinheiro pro pão tá em cima da geladeira.

 

Encontro no campus

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Swift, Vincent van Gogh, 1887

No meio nossos caminhos se cruzaram
As duas calçadas que vinham paralelas se encontraram
E agora caminhávamos lado a lado
O passarinho e eu, preocupados.
Ele com alguma passarinha
E eu com um poema mal acabado.

Despreocupados um do outro…
Ele, mesmo aos pulinhos, vinha carrancudo
Eu, ao contrário, sorria para dentro em eterna auto-ironia.
Não nos olhávamos mas sentíamo-nos
Seguros pela presença alheia do outro.

Foram poucos passos para mim
E poucos pulinhos mais para ele
Até eu entrar em alguma secretaria
E o passarinho voar para a sua passarinha.

 

Um poema, um esboço de tradução, e outro poema

Nude from the rear, reading - Edgar Degas

Nude from the rear, reading – Edgar Degas

qualquer dia desses
eu saio por aí
passo primeiro no banco
depois na minha irmã
e sumo
é. qualquer dia desses

Que tens? Eu te olho
E não vejo nada em você.
Apenas dois olhos, iguais a todos
Uma boca, perdida entre mil bocas que beijei
Mais perfeitas.
Um corpo igual a todos que deslizaram
Para debaixo do meu, sem deixar lembrança.

Tentativa de tradução/recriação de Pablo Neruda: Los versos del Capitán

(Qué tienes? Yo te miro/y no hallo nada en ti sino dos ojos/como todos los ojos, una boca/perdida entre mil bocas que besé, mas hermosas,/un cuerpo igual a los que resbalaron/bajo mi cuerpo sin dejar memoria. ©Seix Barral 2008)

Para Edgar

Eu até podia te dedicar uns versos,
Degas,
Como dedicaste umas pinceladas
às bailarinas e aos jóqueis
sem contar as damas no banho.

Now forever

Romeo and Juliet, Frank Dicsee, 1884

Romeo and Juliet, Frank Dicsee, 1884

Eu estou pronto para te amar
De agora para sempre.
É só você me procurar
É só você me ligar
É só você me seguir
É só me mandar uma DM
É só pagar a fiança
É só largar tudo sem olhar pra trás
E vir comigo
É só você colocar o cinto
É só ouvir essa música comigo
É só você me beijar
Quando eu não ‘tiver esperando.
É só você me dizer adeus
E ficar.